EFEITOS BIOLÓGICOS DAS

RADIAÇÕES MICROONDAS E RADIOFREQUÊNCIA

 

SÍNTESE

A expansão do uso as radiações eletromagnéticas com diversas finalidades aumenta consideravelmente as fontes das radiações de microondas e radiofrequência no meio ambiente. Resulta daí a preocupação com possíveis efeitos biológicos causados por esse tipo de energia irradiante. Pesquisas mostram que esses efeitos podem ser térmicos e não-térmicos, induzindo alterações estruturais e funcionais em seres vivos. Os efeitos térmicos são responsáveis pela maior parte dessas alterações. Entre os efeitos biológicos estudados, os principais são aqueles produzidos nos olhos, nos testículos e os de ordem neurológica. Tomou-se, portanto, necessário o estabelecimento de padrões de segurança para a proteção à saúde, prevenindo efeitos prejudiciais.

INTRODUÇÃO

As radiações eletromagnéticas ocorrem naturalmente, mas em intensidades muito baixas quando comparadas às radiações artificiais. O marcante desenvolvimento e a proliferação, nas últimas décadas, de aparelhos eletrônicos de uso industrial, militar, doméstico, ou para aplicações médicas, que emitem uma grande variedade de energia irradiante não-ionizante, aumentaram consideravelmente as fontes artificiais de radiações eletromagnéticas. 

Essas fontes podem ser de dois tipos: emissoras intencionais e não-intencionais (ou de radiação incidental). As emissoras intencionais típicas incluem as antenas transmissoras de rádio e televisão, instalações de radar e sistemas de telecomunicações. As fontes não-intencionais incluem os equipamentos elétricos e eletrônicos de uso industrial ou comercial, que podem de alguma maneira irradiar algum tipo de onda eletromagnética.

De acordo com McRee (1974), a possibilidade de exposição de um grande segmento da população a uma complexa radiação de multifrequência no ambiente é atualmente uma realidade. Incluem-se aqui as radiações de radiofrequência numa faixa de 300 KHz a 300 MHz , e as microondas de 300 MHz até 300 GHz.

O aumento da utilização das ondas eletromagnéticas, surge também a preocupação com relação aos efeitos biológicos que possam ser causados por tal tipo de energia. A pesquisa dos efeitos biológicos das radiações nãoionizantes tem revelado que tais radiações podem produzir alterações estruturais e funcionais nos organismos irradiados, e que essas alterações são devidas não apenas ao aquecimento, mas também a uma interação direta da energia com o sistema biológico.

INTERAÇÃO

Propagando-se através de um meio biológico, as ondas eletromagnéticas interagem com ele, ocorrendo uma transferência de energia. Nas radiações de microondas e radiofrequência, a principal troca de energia ocorre entre o campo elétrico e as moléculas polares de água.

Conseqüentemente, tecidos, como músculos e pele (com alto conteúdo de água), absorvem relativamente maior quantidade de energia do que o tecido adiposo ou ósseo, de baixo conteúdo de água.

A energia da radiação absorvida pelo material biológico transforma-se em energia cinética das moléculas, produzindo o seu aquecimento (Figura 1). O aumento de temperatura pode ser difuso ou limitar-se a um determinado sítio anatômico específico.

 Figura l - Interação da energia radiante e material biológico.

 A conseqüência da distribuição e absorção não uniformes do campo é a produção de focos de calor no interior do material biológico. A existência desses focos, particularmente nas regiões com mecanismos menos eficientes de transferência de calor, pode levar a alterações específicas do tecido, mesmo que a temperatura do corpo, como um todo, não cresça significativamente.

 A absorção e a reflexão de um campo eletromagnético por um corpo dependem de suas dimensões e do comprimento de onda da radiação. Com relação a este último, sabe-se que, para uma mesma densidade de potência, quanto maior o comprimento de onda da radiação incidente, maior sua profundidade de penetração no tecido biológico (Lara Duca, 1984) (Tabela 1).

 Tabela I - Relação entre a frequência e os efeitos biológicos em função da penetração no tecido.

.Frequência (MH/)

 

   lambda (cm)

 

Local de maior efeito

 

Principal efeito biológico

 

> 10.000

 

<3

 

Pele

 

A superfície da pele age como refletor ou absorvente com efeito de aquecimento

 

10.000

 

 3

 

Pele

 

Aquecimento da pele com sensação de calor

 

10.000 a 3.300

 

3 a 10

 

Camadas superficiais da pele Lentes dos olhos

 

Lentes dos olhos e testículos são particularmente sensíveis

 

10.000 a 1.000

 

3 a 30

 

Lentes dos olhos

 

A formação de cataratas e danos aos testículos

 

1.200 a 150

 

25 a 200

 

Órgãos internos

 

Prejuízos aos órgãos internos por sobre aquecimento

 

< 150   

 

>200

 

 

 

O corpo é transparente

 

(Fonte: McRee, 1994).

 Portanto, a partir das características elétricas e geométricas do corpo irradiado e das condições de exposição, é possível, a princípio, calcular o campo resultante internamente e a taxa através da qual a energia é absorvida pelo tecido irradiado.

 Neste contexto foi desenvolvido o conceito de taxa de absorção específica  (SAR - Specific Absorption Rate) para quantificar efeitos das radiações de microondas e radiofrequências.

 A SAR é definida como a taxa de absorção de energia por unidade de massa do objeto exposto, e é a medida da energia absorvida, que pode ou não ser dissipada em forma de calor (Michaelson, 1982). Esse mesmo autor afirma que a irradiação de sistemas biológicos por microondas e radiofrequência acarreta uma elevação de temperatura, quando a taxa de energia absorvida excede a taxa de dissipação da energia.

 Concluindo, a interação da onda eletromagnética com o sistema biológico depende das características de ambos, principalmente do comprimento de onda e da intensidade do campo e das constantes elétricas do tecido que determinam o grau de absorção e a profundidade de penetração. 

O resultado dessa interação pode ser um aumento de temperatura generalizado ou localizado, em função da distribuição não-uniforme da energia eletromagnética nos sistemas biológicos.

 

EFEITOS BIOLÓGICOS

 A pesquisa dos efeitos biológicos das radiações não-ionizantes tem revelado que órgãos e sistemas orgânicos afetados por microondas e radiofrequência são suscetíveis de distúrbios funcionais ou alterações estruturais. Algumas reações a microondas ou radiofrequência podem levar a efeitos biológicos mensuráveis, os quais permanecem dentro das compensações fisiológicas normais, pois um efeito não constitui necessariamente um prejuízo. Outras reações, no entanto, podem produzir efeitos que sejam de fato prejuízos reais ou potenciais.

 Conforme já descrito, a maior parte da energia da radiação de microondas ou radiofrequência absorvida por um sistema biológico se converte em calor, causando interferência no funcionamento do sistema vivo. Contudo, nem todos os efeitos das radiações de micro­ondas e radiofrequência podem ser explicados pelos mecanismos biofísicos de absorção de energia e conversão em calor. 

Já foi demonstrado, tanto teórica quanto experimentalmente, que outros tipos de conversão de energia são possíveis (WHO, 1981).

 Os efeitos biológicos causados pela exposição a radiações eletromagnéticas são usualmente designados como térmicos e não-térmicos. Os efeitos térmicos são aqueles cujas alterações são causadas pelo aquecimento do organismo e podem ser obtidos usando-se técnicas convencionais de aquecimento. Os efeitos não-térmicos são os devidos à interação direta do campo eletromagnético da radiação com o organismo (Figura 1).

 De acordo com as evidências disponíveis, o efeito mais significativo da absorção de radiação eletromagnética é a conversão de energia absorvida em calor.

Prejuízos resultantes de exposições a altos níveis de radiação foram estudados em animais, notando-se variações de lesões locais e necrose, até intensos estresses por hipertermia.

 Além disso, lesões foram encontradas nos órgãos internos de animais expostos por prolongados períodos de tempo, durante os quais não se constatou nenhum aumento significativo da temperatura corporal nern fo­ram observados sinais de desconforto (WHO,1981).

 Atualmente há evidências comprovadas de efeitos biológicos causados por campos eletromagnéticos, de intensidade suficientemente baixa que não justificam um possível aumento significativo de temperatura.

 Os efeitos não-térmicos ou específicos são mais difíceis de serem detectados que os térmicos. Essa dificuldade se deve à natureza da resposta do organismo e à falta de explicações sobre o mecanismo causador do efeito. Os efeitos desse tipo mais freqüentemente relatados são de ordem neurológica.

 Em animais, incluem mudanças nos reflexos condicionados, alterações da sensibilidade à luz, som e estímulo olfativo, alterações nas biocorrentes do córtex cerebral e mudanças de comportamento. Muitos sintomas subjetivos foram descritos em trabalhadores que lidam com equipamentos de microondas.

Analisando publicações sobre o assunto, foi possível dividir os efeitos biológicos das radiações eletromagnéticas não-ionizantes em dois grupos. O primeiro, formado por aqueles apresentados em praticamente todos os artigos e que, em vista disso, foram considerados como principais: os efeitos nos olhos, nos testículos e os neurológicos. O segundo, o grupo constituído por outros efeitos biológicos sobre os quais ainda não se tem informações muito precisas, sendo estes os efeitos genéticos, hematopoéticos, neuroendócrinos e cardiovasculares.

 

Efeitos Oculares

 O olho é considerado um dos órgãos críticos, com relação ao efeito das radiações não-ionizantes, sendo bastante suscetível ao efeito térmico. Quantidades relativamente pequenas de energia eletromagnética podem elevar a temperatura das lentes oculares, pelo fato destas não possuírem sistema vascular adequado para as trocas térmicas, o que reduz sua capacidade de dissipação de calor. Por isso, a possibilidade de danos aos olhos constitui um aspecto muito sério das radiações de microondas e radiofrequência.

 O cristalino (lente interna do olho) está muito sujeito a alterações provocadas por radiações eletromagnéticas, pois apresenta algumas características que o tornam particularmente sensível a esse tipo de energia: posição superficial em relação ao corpo; está envolvido por meio aquoso; reduzida vascularização; e suas células germinativas estão situadas na região mais equatoriana e superficial. O prejuízo de um tecido é, portanto, mais provável em áreas onde ocorra proporcionalmente um maior aumento de temperatura. Essa elevação térmica do cristalino pode levar à sua opacificação, conhecida como catarata.

 Cataratas foram produzidas em experimentos com animais. Vários pesquisadores, usando olho de coelho (pela sua grande semelhança com o olho humano), tentaram estabelecer um limite de exposição para o início da catarata e concluíram que esse tempo é função da frequência da radiação.

Também foram relatados diversos casos de catarata no homem que se seguiram a exposições acidentais. Cataratas podem ser produzidas por repetidas exposições a níveis de densidade de potência inferiores ao limite.

 Para que esse efeito cumulativo ocorra, os níveis devem ser suficientes para produzir um pequeno grau de dano que não seja reparado antes que outra exposição aconteça. Entretanto, se o tempo entre as exposições for suficientemente longo para que o reparo ocorra, o dano cumulativo não é observado.

 

Efeitos nos Testículos

 Os testículos também constituem órgãos críticos no que concerne aos efeitos das radiações eletromagnéticas. Isso porque são extremamente sensíveis a elevações de temperatura. Estão mais sujeitos à radiação por dois motivos: localização superficial em relação ao corpo e grande sensibilidade ao calor por parte das células germinativas.

 Estas situam-se numa faixa de temperatura inferior à temperatura corporal (± 33°C) e apresentam uma velocidade de redução celular, já em temperaturas de 37°C. Q aumento da temperatura ocasiona também uma diminuição das células intersticiais, podendo levar à esterilidade (Romero, 1980).

 Pesquisas com cães, coelhos e ratos, para determinar o limiar para o início de efeitos prejudiciais, mostraram que, a 10 mW/cm2 de densidade de potência, os efeitos patológicos nos testículos incluem degeneração do epitélio que reveste os tubos seminíferos e uma acentuada redução da maturação de espermatócitos. Essa redução da função testicular é devida ao aquecimento, e parece ser temporária e provavelmente reversível.

 O efeito das microondas nos testículos foi amplamente estudado. A exposição da área escrotal a densidades de potência maiores que 500 W/cm2 resulta em vários graus de dano. Embora esses estudos indiquem que altas densidades de potência possam afetar os testículos, sendo as respostas relacionadas com o aquecimento dos órgãos, existem relatos de que as exposições crônicas de baixa densidade de potência podem resultar num enfraquecimento da espermatogênese e da função reprodutiva, sem aumento de temperatura mensurável nos testículos.

 Em resumo, exposições a microondas em densidades de potência que causam um aumento de temperatura resultam em lesões testiculares e afetam particularmente a espermatogênese, em experimentos com animais. Há indícios de que as lesões sejam facilmente reversíveis, se não ocorrer necrose.

 Numa revisão sobre o assunto, conclui-se que efeitos mais sérios não são esperados em densidades de potência abaixo de 10 m W/cm2. Embora se trate de órgãos particularmente sensíveis ao estresse térmico, os efeitos não atribuíveis ao aquecimento não podem ser descartados (WHO, 1981).

 

Efeitos Neurológicos

 Os efeitos da radiação de microondas no sistema nervoso central constituem um dos pontos mais controvertidos nesse campo de bioefeitos. A base original da preocupação com a exposição de seres humanos a baixas imensidades de radiação deriva de pesquisas epidemiológicas realizadas com trabalhadores sujeitos a exposição ocupacional.

  Essas investigações sugerem vários tipos de alterações reversíveis do sistema nervoso central. A asserção básica dessas pesquisas é de que a exposição à microonda, mesmo em baixas densidades de potência, resulta em distúrbios nervosos. Queixas subjetivas, como dor de cabeça, fadiga, fraqueza, tontura e insônia foram relatadas.

 Em experimentos com pequenos animais, exposições crônicas e repetidas em densidades de potência de 10 m W/cm2, ou menos, levaram a distúrbios nos reflexos condicionados e alterações comportamentais(WHO, 1981).

 Resultados de estudos recentes sobre os efeitos da radiação de microondas no sistema nervoso central de mamíferos podem ser resumidos como indicativos de que os campos de baixa intensidade podem induzir mudanças detectáveis. A possibilidade de que as microondas interajam com o sistema nervoso central, sem aquecimento significativo, foi sugerida por vários pesquisadores.

 A falta de compreensão da relação entre efeitos térmicos provocados por baixas intensidades, no sistema nervoso de mamíferos, e as respostas fisiológicas e psicológicas torna difícil determinar verdadeiramente até onde os efeitos das microondas e da radiação de radio-frequência são causados por perturbações térmicas.

  

CONCLUSÕES

 Já foram comprovadas, experimentalmente, alterações em organismos vivos, induzidas pelas radiações de microondas e radiofrequência. O resultado da interação desse tipo de radiação e os sistemas biológicos depende principalmente das propriedades dos tecidos biológicos, da frequência e da densidade de potência da radiação e das condições de exposição.

 A distribuição não-uniforme da energia irradiante no corpo também influi nos efeitos induzidos por ela. Os efeitos térmicos, provocados por um aumento de temperatura, são mais facilmente detectáveis e são responsáveis por grande parte dos efeitos biológicos descritos. Já existe a confirmação dos efeitos não-térmicos, e a possibilidade dessa interação direta ser a causa de muitas das alterações não pode ser descartada.

 

REFERÊNCIA

 Fonte: Revista AMBIENTE vol.2 no.1 1998 artigo: RADIAÇÕES DE MICROONDAS E RADIOFREQUÊNCIA  Efeitos biológicos  Autores: Claudia Conde Lamparelli – CETESB, Antonio Alessio Filho – CETESB, Jesus Gonzalez Hernandez - CETESB