Gestão da Qualidade - Introdução

1.  Qualidade

A qualidade é hoje a palavra-chave mais difundida dentro das empresas. Ao mesmo tempo existe muito pouco entendimento sobre o que é qualidade. Os próprios teóricos da área reconhecem a dificuldade de se definir, precisamente, o que seja o atributo qualidade de um produto. Esta dificuldade existe principalmente porque a qualidade pode assumir diferentes significados para diferentes pessoas e situações, dependendo se quem a observa é um consumidor, um produtor ou ainda um órgão governamental.

Dentro de uma organização, a qualidade também assume diferentes significados para cada um dos setores da empresa, seja Marketing, Produção, Assistência técnica, Projetos, etc. Além disso, a palavra qualidade tem assumido diferentes significados ao longo do tempo, principalmente, para bens de consumo, em função das conveniências e estratégias de mercado das empresas.

No dicionário de Buarque de Holanda, a qualidade, em seu sentido genérico, é definida como "propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza". Assim, a qualidade seria uma propriedade inerente à pessoa e ao próprio produto.

Os conceitos de qualidade apresentados pelos principais autores da área são os seguintes:

Juran associa qualidade à idéia de "adequação ao uso". Assim, para esse autor, um produto tem qualidade quando é adequado ao uso, ou seja, quando satisfaz às necessidades do usuário. A adequação ao uso é determinada por aquelas características do produto que o usuário reconhece como benéficas para ele.

Feigenbaun define qualidade como o conjunto de características do produto, tanto de engenharia quanto de fabricação, que determinam o grau de satisfação que proporciona ao consumidor, durante seu uso.

Crosby, por sua vez, define qualidade como "conformidade com especificações".

As citações de outros autores basicamente repetem ou são variações das definições apresentadas e, em geral, poderiam ser resumidas em: "a qualidade de um produto é o grau em que o mesmo satisfaz às exigências do consumidor".

Garvin procurou sistematizar os conceitos de qualidade e identifica cinco enfoques principais para se definir qualidade:

1- enfoque transcendental;

2- enfoque baseado no produto;

3- enfoque baseado no usuário;

4- enfoque baseado na fabricação; e

5- enfoque baseado no valor.

Enfoque transcendental

Segundo este enfoque, a qualidade é sinônimo de "excelência nata". Ela é absoluta e universalmente reconhecível. Entretanto, a qualidade não poderia ser precisamente definida, pois ela é uma propriedade simples e não analisável, que aprendemos a reconhecer somente através da experiência e observação.

Enfoque baseado no produto

Por este enfoque, a qualidade é definida como uma variável precisa e mensurável, e as diferenças na qualidade refletem-se nas características possuídas por um produto. Este enfoque leva a uma dimensão vertical ou hierarquizada da qualidade, para que os produtos possam ser classificados segundo as características que possuem. Esta visão leva a dois pontos fundamentais: primeiro, a qualidade é uma característica inerente aos produtos e pode ser avaliada objetivamente: segundo, uma qualidade melhor só pode ser obtida a custos maiores, uma vez que a qualidade reflete as características que um produto contém e, como as características são elementos valoráveis na produção, os produtos com qualidade superior serão mais caros.

Enfoque baseado no usuário

Este enfoque parte da premissa oposta de que "a qualidade está nos olhos do observador/consumidor". A qualidade estaria associada a uma visão subjetiva, baseada em preferências pessoais. Supõe-se que os bens que melhor satisfazem as preferências do consumidor são aqueles por ele considerados como tendo alta qualidade. Este enfoque levou ao conceito de "pontos ideais" ( precisas combinações de atributos do produto que dão a maior satisfação a um consumidor específico) e à visão econômica de que as diferenças de qualidade são percebidas através de alterações na curva de demanda do produto. Levou ainda ao conceito de "adequação ao uso", predominante na literatura da área de qualidade.

A definição de qualidade, baseada neste enfoque, e mais difundida, é a definição de Juran, já apresentada aqui: qualidade é adequação ao uso. Este enfoque não significa, necessariamente, que as características objetivas do produto não sejam avaliadas.

Enfoque baseado na fabricação

As definições baseadas na fabricação identificam a qualidade como "conformidade com as especificações". Uma vez que uma especificação de projeto tenha sido estabelecida, qualquer desvio significa redução na qualidade; portanto, identifica-se excelência com o atendimento de especificações. Assim, um produto construído em conformidade com as especificações seria considerado de boa qualidade, independente do conteúdo ( ou qualidade intrínseca ) da especificação.

De acordo com o enfoque baseado na fabricação, as melhorias na qualidade, que são equivalentes às reduções na porcentagem de defeituosos, levam a custos menores, uma vez que prevenir a ocorrência de defeitos é interpretado como sendo mais econômico do que seu retrabalho.

Uma definição ode qualidade bastante difundida, dentro deste enfoque, é a definição, apresentada anteriormente, de P.B.Crosby, "qualidade é conformidade com especificações".

Enfoque baseado no valor

Aqui se define a qualidade em termos de custos e preços. De acordo com esse enfoque, um produto de qualidade é aquele que apresenta desempenho a um preço aceitável. Assim, um produto extremamente caro, em relação ao poder de compra do mercado, não importando o quão bem feito ele o é, não poderia ser considerado um produto de qualidade, pois teria poucos compradores.

A dificuldade de se empregar esta abordagem estaria na união de dois conceitos correlatos, mas distintos, a qualidade e o valor. O resultado é um elemento híbrido - "excelência adquirível "- que não possui limites bem definidos e que é difícil de ser aplicado na prática.

A coexistência desses diferentes enfoques explica os conflitos sobre qualidade entre, por exemplo, a área de Marketing, onde predominam os enfoques baseados no produtos e/ou no usuário, e a área de Produção, com predomínio do enfoque baseado na fabricação. Segundo Garvin, a par do potencial de conflito, é útil cultivar tais perspectivas diferentes pois são essenciais para a introdução bem sucedida de produtos de alta qualidade. As características que definem a qualidade de um produto devem ser inicialmente identificadas através de uma pesquisa de mercado (abordagem baseada no usuário). As características devem, então, ser traduzidas em atributos identificáveis de produto (qualidade baseada no produto), e o processo produtivo pode então ser organizado, assegurando que os produtos estão seguindo essas especificações (abordagem baseada na fabricação). Todos estes três aspectos são necessários e devem ser conscientemente atacados.

Garvin (1984) identifica ainda oito dimensões com vistas a desagregar a qualidade em seus elementos básicos:

    1. Desempenho
    2. Características
    3. Confiabilidade
    4. Conformidade
    5. Durabilidade
    6. Assistência técnica
    7. Estética
    8. Qualidade observada

Juntas essas oito dimensões da qualidade cobrem vasto conjunto de conceitos. Há dimensões que envolvem atributos mensuráveis do produto. Algumas são objetivas e não são influenciadas pelo elemento tempo, ao passo que outras são modificadas pelas várias tendências (modas). Há ainda as que são características inerentes aos produtos, enquanto outras são associadas. A confiabilidade, a conformidade, a durabilidade e a assistência técnica são dimensões que envolvem atributos mensuráveis do produto e são objetivas. O desempenho e as características podem refletir preferências pessoais, enquanto a estética e a qualidade observada são as mais subjetivas.

A diversidade desses conceitos (dimensões) ajuda a explicar as diferenças entre as cinco abordagens tradicionais da qualidade. Cada uma das abordagens está implicitamente voltada para uma ou mais dimensões da qualidade: a abordagem baseada no produto preocupa-se com desempenho, características e durabilidade; a abordagem baseada no usuário está voltada para a estética e a qualidade observada; e o enfoque baseado na produção busca a conformidade e a confiabilidade. São inevitáveis os conflitos entre os cinco enfoques, pois cada um define qualidade a partir de um ponto de vista diferente. Uma vez que o conceito seja bem entendido e cada dimensão seja considerada separadamente, ficará claro o porquê dos conflitos.

Cada dimensão da qualidade impõe suas próprias exigências à empresa. Alto desempenho requer priorização do projeto, além de boa capacidade das áreas de engenharia e de projetos; durabilidade superior exige o uso de componentes mais duráveis; já a conformidade superior requer rigoroso cumprimento das especificações na produção, bem como precisão na montagem; e ótima assistência técnica requer um sólido departamento de serviços ao consumidor e ativos representantes de campo. Em cada caso, uma função diferente assume o papel principal, sendo necessárias diferentes prioridades para se alcançar a meta pretendida.

A correta conceituação da qualidade, bem como a sua desagregação em cada situação empresarial, pode ser chave para se recorrer à qualidade como uma estratégia de concorrência.

O fator comum em quase todas as tentativas de se conceituar a qualidade é a satisfação das necessidades do consumidor. Assim, um produto seria considerado qualitativamente correto, ou de "boa" qualidade, desde que satisfizesse às necessidades do consumidor, independente do conteúdo desta qualidade. Nesse sentido, a qualidade seria um conceito relativo; em face da subjetividade associada à satisfação de necessidades, e não uma propriedade inerente que se afirma ou se nega de um produto.

Para os autores, portanto, a qualidade deixa de ser uma propriedade que os produtos têm ou não têm para estar associada ao conceito da satisfação de necessidades. Com isto se justifica a existência de diferentes níveis de qualidade associados aos produtos e, assim, de acordo com esta lógica, um produto destituído de qualidade intrínseca seria considerado qualidade adequada para um consumidor pouco exigente em face de suas limitações econômicas, culturais e sociais.

O raciocínio pelo qual passa essa visão considera o sujeito (consumidor) e o objeto (produto) como entidades autônomas e separadas que se relacionam através da necessidade, enquanto a qualidade seria um indicador de grau em que o produto satisfaz às necessidades do consumidor. Nesta perspectiva, a qualidade mediria o ajustamento entre as necessidades do consumidor e a satisfação oferecida pelo produto. Assim, deixa-se transparecer que a necessidade seria o propulsor da produção e da qualidade desta produção.

Entretanto, pode-se questionar até que ponto as necessidades são naturais ou são geradas. Esta questão não é considerada por esses autores e exige que, para se entender a lógica da qualidade, principalmente no que diz respeito a bens de consumo, se entenda a lógica das necessidades e da satisfação. Estas questões, entretanto, serão abordadas no próximo capítulo quando analisaremos as estratégias de obsolescência planejada.

Na literatura de Economia e Marketing, a qualidade é tratada em relação à questão da concorrência em qualidade, e esta é entendida e discutida pelos autores dentro do âmbito da diferenciação de produto. De modo geral, os economistas tratam a concorrência empresarial por diferenciação de produto como uma concorrência em qualidade, independente da natureza e do conteúdo desta diferenciação.

Em face da subjetividade associada ao termo qualidade e ao emprego bastante genérico da mesma, outros termos foram criados na prática para se designar a qualidade propriamente dita dos produtos, tais como "desempenho do produto" e "confiabilidade do produto".